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Dor e Rejeição.


(Amor e dor - Edvard Munch - 1894)

Há momentos, horas, dias em que a gente não cabe dentro de si. Emerge das turvas e profundas águas de um turbulento mar chamado “alma” um rompante incontrolável. Queremos ir embora de nós mesmos, como se não fossemos o nosso único destino possível.

Há dores que não sangram, não deixam hematomas e não cabem dentro de um diagnóstico médico. Mas elas estão lá, existem e persistem. Dores tão particulares quanto os nossos mais reservados segredos. Sabe? Aquela pessoa que nos provocou um pensamento indizível, mas pensamos. Aquele ato impraticável, mas fizemos. Aquele gole a mais não devido, mas bebido. Dores que ignoram a derme, epiderme e músculo. Dores que desconhecem a materialidade criada pela racionalidade humana, mas que conhecem, mais que ninguém, as nossas mais vulneráveis brechas. Sabe?

Sabe, sabe sim. Tu podes fazer-te de rogado, mas sei que me entendes e compreendes cada palavra aqui balbuciada.

A dor, por vezes – há quem diga que é sempre -, nos torna distante dos bons valores aprendidos nesta breve vida. A dor nos deixa mesquinhos, arrogantes, egoístas. Oras, tomemos como exemplo a “rejeição”, tão conhecida de vossas senhorias. Querem algo melhor do que essa genuína dor com poder de desencadear as mais perversas reações? Ser rejeitado doe como um fino, porém profundo, corte de uma espada forjada a aço valiriano.

Sabe-se lá por qual motivo, genético ou cultural, mas definitivamente não somos preparados para aceitar passivamente a rejeição. Não dá! Ainda que a reação tenha como vítima apenas nós mesmos. Bebemos, nos drogamos, choramos, nos recolhemos a nossa insignificância, mas não é possível passar incólume a dor da rejeição. Não!

Vamos conversar, pensem comigo. Quem de nós nunca desejou que aquela pessoa amada/desejada, que obviamente nos rejeitou, sofra de uma terrível dor estomacal no dia em que encontrará um outro? Certamente, esse outro é um usurpador, porque, como se sabe, aquela posição é nossa por direito. Onde está escrito isso? Oras, as favas com os documentos e a burocracia legal, para dores da alma basta sentir, o sentimento valida tudo! Quais de vocês nunca apelou ao meu santo xará para cair uma torrencial chuva na noite em que sabemos que a pessoa almejada irá para uma festa sem a nossa companhia? Certamente, uma festa chinfrim, vagabunda e entendiante, afinal, não estaremos lá.

É, tu não me enganas, se reconheceu em uma ou mais destas situações e ficou rubra de vergonha. Mas olha, não te preocupas, a humanidade e suas implicações são assim mesmo, constrangedoras, mas posso te falar? São elas que nos unem, que nos torna uma raça una, humanos. Medíocres? Talvez. Mas humanos, todos nós.

Então, combinemos, assim como Leminski, não vamos nos digladiar com o destino, as dores são institutos fincados em fundas raízes, não dá para podá-las. Mas dá, e muito, para aprender com elas. Ah, o que? Achastes que a vida seria uma sessão de cinema das 5? Bom filme, um chamego, pipoca e refrigerante? Não, tu não pensastes tão pouco, conta outra.

Bom, se está doendo em mim? Não duvidem, dores me consomem cotidianamente. Dores são antropófagas, canibais. Se já fui rejeitado? É claro, em um país de “wheys” e “tops”, um magrelo barbudo passa longe do consenso. Mas quer saber? Eu tô aqui, 2:34 da madrugada, escrevendo com a paixão de um torcedor fanático ao celebrar uma conquista do seu time. Então, acho que talvez sejam necessários mais 25 anos para essa tal de dor me derrubar.

Qual a tua dor?

Pedro Del Mar

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