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O engodo ambiental e os limites da social-democracia


Descoberta do Ouro (1941) - Pintura mural a têmpera 494 x 463cm - Assinada e datada no canto inferior direito "PORTINARI, 1941" - Library of Congress, Washington, D.C.,USA .


Algumas tomadas decisórias de três dos mais importantes governos do mundo em 2023, no que tange a preservação do meio ambiente e a exploração de combustíveis fósseis, chamaram a atenção pelas improváveis – mas nem tão surpreendentes – similitudes que carregam entre si. Embora pareçam governantes díspares - e em diversos aspectos são mesmo -, Lula, Biden e Rishi Sunak agem de forma congruente quando a pauta ambiental atravessa o caminho do desenvolvimento econômico.


Vejamos:


Na última terça-feira (08), o Brasil acionou a Procuradoria Geral da República (PGR) para perscrutar uma brecha legal que possibilite a exploração de petróleo na foz do Amazonas, passando por cima de todos os laudos técnicos do IBAMA - endossados pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) - que apontam os diversos prejuízos ambientais e para as comunidades locais. No mesmo dia, no encerramento da Cúpula da Amazônia, o documento final assinado pelos membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) deixou de fora metas para o desmatamento e a exploração de petróleo na região. A falta de compromisso do Brasil e demais países da OTCA contra a exploração do petróleo foi duramente criticada pele presidente da Colômbia, Gustavo Petro: “A política não consegue se destacar dos interesses econômicos que derivam do capital fóssil. Por isso, a ciência se desespera, porque ela não está vinculada nesses interesses tanto quanto a política”, disse.


Já os Estados Unidos aprovaram o projeto Willow, no primeiro trimestre do ano, financiando a extração de petróleo e gás no Alaska. Assim como no Brasil, ignoraram solenemente laudos e avisos de organizações ambientalistas sobre os riscos e danos prováveis. O Reino Unido, por sua vez, liberou mais de 100 novas licenças para a extração de gás e petróleo no Mar do Norte, indo na contramão de países como a Dinamarca, que cancelou a última ronda de licenciamentos na região e decidiu acabar com esta atividade nos próximos anos.


Em comum, temos três governos que propagandeiam sobre a importância da preservação ambiental, da transição energética e da edificação de uma "economia verde", mas executam projetos diametralmente opostos. Guardadas as indispensáveis idiossincrasias entre cada um destes players no tabuleiro geopolítico e econômico global, é nítida a presença marcante de uma ideia que permeia suas orientações: um conceito datado de desenvolvimentismo que não se sustenta senão sobre os escombros da periferia do capital e dos nichos populacionais mais frágeis e marginalizados (racismo ambiental).


Traçar este paralelo entre os governos do Brasil, Estados Unidos e Reino Unido, na discrepância entre seus discursos e práticas na seara ambiental, não os colocam em pé de igualdade. É evidente que as nações supracitadas ocupam lugares distintos na cadeia produtiva global e possuem interesses, mecanismos e alcances igualmente distintos. O Brasil é um país de capitalismo tardio, que passou por um profundo processo de desindustrialização, e não compartilha do histórico - e do espólio - colonial dos britânicos ou das aspirações imperialistas dos norte-americanos.


A comparação, no entanto, é elucidativa e didática uma vez que descortina que a social-democracia, até mesmo com governos tidos como progressistas - em que pese a gelatinosidade do termo - escamoteia a questão ambiental e a relega a um plano secundário, ignorando a urgência do tema e seus efeitos deletérios a curto, médio e longo prazos. No Brasil, esse desencontro entre discurso e prática, protagonizado por governos de centro-esquerda na questão ambiental, não é novidade. Para citar somente um exemplo, talvez o mais emblemático deles, todos se lembram da Usina Hidroelétrica de Belo Monte, na Bacia do Rio Xingu, inaugurada nos momentos derradeiros do segundo mandato de Dilma Rousseff, pouco antes de um golpe de Estado lhe apear do cargo. Na ocasião, grandes manifestações, puxadas por movimentos sociais e ambientalistas, tomaram as ruas do Brasil alertando sobre os graves danos que Belo Monte causaria para a fauna, flora e populações ribeirinhas locais. Hoje, 7 anos depois, basta uma rápida pesquisa no Google para constatar que os alardes não eram exagerados, tampouco fantasiosos.


De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA na sigla em inglês), os países pagaram um valor recorde de subsídios para a exploração de combustíveis fósseis no ano passado, superando pela 1ª vez a marca de US$ 1 trilhão. Ao todo, os subsídios globais à energia fóssil somaram US$ 1,1 trilhão em 2022, o dobro do ano anterior. Não custa lembrar que 80% do aquecimento global é causado pela queima de combustíveis fósseis.


A necessária crítica à exploração indiscriminada dos combustíveis fósseis não se confunde – e nem poderia - com um ataque a Petrobrás. Como maior empresa pública brasileira – que por pouco não foi privatizada no Governo Bolsonaro – a Petrobrás precisa ser defendida, 100% estatizada – acabando com o pagamento de dividendos trimestrais - e utilizada para gerar benesses coletivas aos brasileiros e brasileiras. A empresa não pode se tornar uma versão pública e latina de uma Exxon Mobil ou Chevron, onde não há qualquer zelo pelas pautas ambientais e climáticas e onde o lucro é a única pedra angular a ser seguida. Em um governo progressista, como se auto intitula Lula 3, mesmo com todas as suas muitas contradições e sua frente ampla - amplíssima! – espera-se uma política ambiental para além da esfera discursiva e midiática, com um MMA autônomo e munido de recursos, com respeito aos estudos, laudos e pareceres do IBAMA e demais institutos técnicos da área e com um visão minimamente condizente com um equilíbrio onde a sanha desenfreada pelo desenvolvimento através do petróleo e hidrocarbonetos não ponha em risco nosso patrimônio natural e humano.


Pedro Del Mar.



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